'' Gilmar Belenos ''

O corvo sagrado.


Em diversas regiões, o corvo é considerado um profeta e um augúrio negativo. Os árabes chamam-no de Abu Zajir, ou seja, “Pai das Profecias.” Na Irlanda antiga era domesticado para uso em práticas divinatórias – o termo “Sabedoria do Corvo” era usado para descrever o dom humano da Previsão. Corvos que abandonavam seus ninhos eram vistos como péssimos presságios e a superstição popular afirma que se os corvos abandonarem a Torre de Londres um dia, a monarquia chegará ao seu fim. Em muitas regiões do Mundo Antigo, ver um corvo voando para a direita era um sinal positivo, enquanto que se visto voando para a esquerda, era interpretado como mau sinal.
Por se alimentarem de carniça, os corvos eram vistos como mensageiros da morte, de doenças e de batalhas. Acreditava-se que essas aves ávidas por carne podiam sentir o aroma da morte sobre uma pessoa antes mesmo que ela morresse – até mesmo através das paredes de uma casa. Em pinturas, o corvo pode ser visto voando sobre campos de batalha, ansioso por banquetear-se nos mortos. Após a batalha do Armagedon, corvos descerão sobre as terras dos perversos. [Isa 34:11]
Acreditava-se que os corvos tinham um apreço especial pela carne dos criminosos enforcados e que gostavam de arrancar os olhos dos pecadores. [Prov 30:17] Os cristãos criam que eles levavam consigo as almas dos malditos e associaram esa ave com a Queda do Homem e com Satã, que cega os pecadores, inibe seu senso moral e banqueteia em sua corrupção.
Os corvos simbolizavam o pecado, especialmente os pecados da gula, do roubo e dos falsos ensinamentos. Eram apelidados de “aves surrupiadoras” e as crianças islandesas aprendiam que beber com canudos feitos de penas de corvo faria com que se tornassem ladrões. Acreditava-se que padres pervertidos se transformavam em corvos ao morrer. Para os cristãos europeus, o corvo é a antítese da inocente pomba branca. Contudo, em algumas tradições africanas e nativas americanas, o corvo é um guia benevolente cuja visão aguçada lhe permite enviar alertas aos viventes e que também orienta os mortos em sua jornada final.


A ambigüidade da igreja cristã diante da figura do corvo é bastante conhecida. Acima à esquerda, Santo Expedito pisoteia a criatura divina só porque seu canto se assemelha à palavra latina para amanhã – uma suposta referência ao fato de que o corvo tentaria procrastinar a conversão do legionário romano Expedito. Já na figura da direita vemos outro santo, desta vez São Bento, que é salvo por um corvo...
O grito do corvo, "Cras! Cras!" foi interpretado pelos falantes do latim como significando “Amanhã! Amanhã!”. Tornou-se, portanto, um símbolo do pecador tolo que procrastina a conversão. Outros contudo, viam nesse mesmo canto a esperança de um futuro melhor. Para os esquimós, o canto do corvo soa como "Kak, kak, kak!" que significa “um cobertor de pele de rena”. De acordo com suas lendas, os gritos do corvo alertaram as pessoas para que não se esquecessem de seus cobertores quando deixavam suas casas.
Antes de Noé enviar a pomba a partir de sua Arca, ele enviou um corvo branco para testar as águas. Ao invés de retornar à Arca, esta ave “prosseguiu daqui para ali até que as águas secassem [Gen 8:7]. De acordo com Matthew Henry, a atitude desse corvo era como o “coração carnal” que, ao invés de buscar repouso e refúgio no Salvador, “pousa sobre o mundo e se alimenta da carniça que nele encontra”. Lendas judaicas dizem que o corvo de Noé foi punido por não voltar à Arca ao ser tingido de negro e condenado a comer carniça.
Os gregos acreditavam que Apolo tornara o corvo negro quando a ave informou-o sobre a infidelidade de sua amante, Coronis. Este episódio deu ao corvo a reputação de espião e divulgador de segredos. No Noroeste do Pacífico, as penas de corvos foram escurecidas quando seu cunhado passou-o através do fogo para puni-lo por seus truques. De acordo com as lendas ucranianas, os corvos antes possuíam belas penas multi-coloridas e uma voz agradável mas, após a Queda, começaram a comer carniça. Este hábito destruiu suas vozes e escureceu sua plumagem. Sua beleza anterior reaparecerá quando o Paraíso for restaurado.
Na mitologia nórdica, o onisciente deus Odin (Wotan) possui um par de corvos chamados Hugin (Pensamento) e Munin (Memória) que vivem sobre seus ombros ou em seu trono. Todas as manhãs eles voam ao redor da Terra observando tudo e questionando a todos, até mesmo os mortos. À noite, eles retornam a seu mestre e sussurram-lhe tudo o que viram e ouviram. Por vezes, o próprio Odin assume a forma de um corvo.
Os corvos são tidos ao redor do globo como metamorfos e humanos costumam ser transformados em corvos por seus inimigos. São profetas, lançadores de sortilégios e mensageiros dos deuses. Deuses e deusas da guerra e do trovão como a celta Badb possuem corvos como seus atributos. São emblemas dos dinamarqueses e dos vikings.
A despeito de sua aparência obscura, o corvo costuma ser um símbolo solar. Na Grécia, era sagrado a Apolo, deus da luz. Na China, um corvo de três pernas vive no sol. Suas pernas simbolizam a aurora, o meio-dia e o crepúsculo. Antes existiam dez corvos solares, mas eles emitiam uma luz e um calor tão intensos que um arqueiro teve de abater nove deles para preservar a vida na terra. Um corvo vermelho é o emblema da Dinastia Chow na China.

Entre as tribos de nativos norte-americanos da Costa do Pacífico, Corvo é um herói, um mensageiro, criador do mundo, ladrão e pregador de peças. Ele ensinou aos primeiros humanos a sobreviverem e as artes de produzir roupas, canoas e moradias. Sua posição no folclore nativo americano é semelhante à do astuto coiote. Alguns dizem que o corvo nasceu da escuridão primordial; outros que ele nasceu do caixão de sua mãe morta, onde se alimentou de suas entranhas. Ele é um criador providente que gerou a luz do dia, a vegetação, os animais e os ciclos do mundo para o bem da humanidade. Ele levou os animais aos casais sobre uma balsa, assim como o Noé hebraico, para salvá-los de uma grande inundação. Depois de todas as benesses que ele trouxe à Humanidade, Corvo desejou desposar uma humana, mas os homens se recusaram a permitir tal união. Como vingança, Corvo criou os mosquitos a partir de folhas amassadas para atormentá-los para sempre. Quando Corvo trouxe luz à humanidade, os humanos se assustaram tanto que se espalharam por todos os cantos do mundo.
O corvo é o símbolo da solidão e um atributo de diversos santos que são alimentados por corvos em meio à natureza, entre eles Santo Antonio Abade, São Paulo o Heremita e São Bento. Apesar de o corvo ser considerado ímpio, Deus enviou corvos para alimentar Elias no regato durante uma seca prolongada. [1 Ki 17:6; Lev 11:15; Deu 14:14] Há muito tempo o corvo é um símbolo da providência divina. [Psa 147:9; Job 38:41] Muitos se recordam de quando Jesus disse para olhar para a andorinha e os lírios do campo, mas poucos parecem se lembrar das palavras “Olhai para os corvos, pois eles não semeiam nem colhem, e portanto não têm nem depósitos nem celeiros; e Deus os alimenta” [Lk 12:24] No Cântico de Salomão, as madeixas da Amada são “negras como o corvo” [Song 5:11]
O corvo simboliza a gratidão e o afeto filiais, a sabedoria, a esperança, a longevidade, a morte e a fertilidade. Na alquimia, ele representa a transformação e a alma evoluída que morre para este mundo. É um símbolo ainda usado com freqüência na magia moderna, na bruxaria e nos mistérios.
Corvos brancos ou albinos eram tão valorizados que os comerciantes de aves tentavam tingir as penas de filhotes mergulhando-os em diversas fórumlas letais. Entre os celtas, o corvo branco é o símbolo da heroína Branwen. Seu irmão Bran era retratado como um corvo. Na América do Norte, os Kiowas acreditam que o corvo branco se torna negro ao ingerir olhos de serpente. A deusa guerreira irlandesa Badb costuma assumir a forma de um corvo. Na mitologia clássica, o corvo é um atributo de Cronos ou Saturno e também de Atena, deusa da sabedoria, da vitória e das artes.
O corvo está associado ao amor materno e à fortaleza espiritual. Acreditava-se que as fadas se transformavam em corvos para criar problemas. Na heráldica, um corvo era usado para indicar uma pessoa escura, como um mouro ou sarraceno. No Egito, dois corvos serviam como emblema da monogamia.
Alguns cristãos vêem no corvo um emblema da Virgem Maria. As palavras “sou escura, mas formosa... pois o sol escureceu minha pele” são tidas como significando que a luz do amor de Deus brilhou com tamanha intensidade sobre ela que ela se queimou e foi purificada como que por um poderoso sol ou fogo. [Song 1:5-6]
Esses versos também fazem do corvo um símbolo da igreja que diz, “Não me olhes (com desprezo) por eu ser escura, pois foi o sol que me escureceu a pele. Os filhos de minha mãe ficaram bravos comigo; fizeram de mim a guardiã dos vinhedos, mas de meu próprio vinhedo eu não cuidei." [Song 1:6 parênteses acrescentados]. Esses versos são interpretados pela igreja como um apelo para que os potenciais convertidos não se sintam desencorajados diante de uma igreja pecadora, em sofrimento, ameaçada ou perseguida, mas ao invés disso que percebam que o fogo e a misericórdia do Senhor tornou sua escuridão mais bla do que a pureza virginal implicada na brancura de uma pomba.
O belo canto do melro torna-o um símbolo das tentações, especialmente de ordem sexual. O diabo certa feita assumiu a forma de um melro e voou sobre o rosto de São Bento, fazendo com que o Santo sentisse um desejo intenso por uma bela donzela que conhecera. Para salvar a si mesmo, São Bento arrancou suas vestes e lançou-se sobre um espinheiro. Os cristãos crêem que este doloroso ato livrou o santo das tentações carnais para o resto de sua vida.
Assim como o corvo, o melro é visto como um mau presságio. Contudo, avistar dois melros pousados juntos é um símbolo de paz e de bom
augúrio.
"claudio quintino crow"

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2 Responses so far.

  1. Anônimo says:

    Texto muito instrutivo, obrigado!

  2. Natalia says:

    Excelente matéria.

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